sábado, 18 de julho de 2009

ARTIGO
A Linguagem como Palco da Luta de Classes

por Ivan Rodrigo Trevisan
Estudante de História UFSM


A linguagem, tão antiga quanto a consciência, é, conforme Marx:“ a expressão e o produto da consciência real, prática dos intercâmbios sociais, um fenômeno essencialmente histórico e social” (MARX). Portanto, espaço de disputa entre classes sociais antagônicas, onde a classe dominante, através da língua, tenta impor seus valores culturais e políticos, para melhor continuar explorando as classes inferiores. Muitas vezes considerada como “neutra” ou natural, e até mesmo, supra-histórica, tem se dado pouca atenção a língua, subestimando sua importância, tanto como instrumento de dominação das elites, como também um forte elemento de identidade e resistência cultural de um determinado grupo.

Durante o período colonial, para impor sua hegemonia, econômica e cultural sobre o Brasil, em 1758, os portugueses decretaram uma reforma administrativa, assinada pelo Marques de Pombal, que previa a proibição e conseqüente erradicação das línguas indígenas faladas no Brasil, impondo o português como a língua oficial dos habitantes, sob pena de repressão e punição para os que não se “adequassem” a nova ordem.

Mesmo com a censura lingüística, palavras e dialetos dos subalternos acabaram sendo incorporados á nova versão “culta” do português, obviamente, sem serem reconhecidas pelas elites dominantes. Por isso, hoje, muitas vezes, usamos palavras de origens nativas e africanas, sem termos consciência disso. Em grande parte das vezes, as palavras passavam a ter um sentido pejorativo.

Como por exemplo, a palavra “moleque”, que no dialeto africano, significava menino, hoje, no português, usa-se moleque para identificar um “menino de rua” ou um “menino travesso”. Outro exemplo de origem nativa, é a palavra “china”, que significava mulher, hoje é sinônimo de mulher, mas mulher prostituída.

Essa opção pelo português culto foi um divisor de águas entre a plebe ignara e as elites dominantes. A sacralização do “falar erudito”, e do “português correto”, pressupõe a sua restrição apenas as camadas superiores da sociedade, nunca a sua universalização. Ou seja: esse elitismo lingüístico era, e continua sendo, usado como forma de discriminação social, étnico e cultural. Tornou-se uma espécie de fronteira entre o “falar da casa grande”, e o “falar da senzala”.

“O processo de unificação, ou padronização, retira a língua de sua realidade social, complexa e dinâmica, para transformá-la num objeto externo aos falantes, numa entidade com "vida própria", (supostamente) independente dos seres humanos que a falam, escrevem, lêem e interagem por meio dela” (BAGNO).

Hoje, os responsáveis pela divulgação e sacralização do padrão culto, são os grandes meios transmissores de conhecimento, como a escola e os meios de
Comunicação de massa, quase sempre a serviço da burguesia nacional e internacional, como forma de impedir qualquer tipo de ascensão social das classes populares.

Tratando-se de um fenômeno político-social, percebe-se que a discriminação ou a aceitação de tais fonéticas, ultrapassam as razões lingüísticas, pois certos tipos de pronúncias, como “leitchi”, referindo-se ao falar carioca de “leite”, é bem visto e até considerado elegante, enquanto que “caro”, usado pelos colonos ao invés de “carro”, é descriminado e até mesmo motivo de deboche, pois é sinônimo de trabalhador rural.

Durante o século XX, foi hegemônica a visão dos lingüistas estruturalistas, que, apesar de afirmarem que a linguagem verbal se trata de um fenômeno social, colocavam a formação da linguagem humana, como se tratando de uma espécie de “consentimento coletivo”, deixando a língua essencialmente autônoma á pratica social, como se fosse um “ente neutro”, um espaço sem disputas. Ora, isso é negar especialmente o caráter dialético da linguagem, conseqüentemente, negar o papel da luta de classes no cotidiano da sociedade civil. Conforme o lingüista marxista Bakhtine: “a linguagem única não é dada, mas, posto como princípio e, em todos os momentos de sua vida, ela se opõem ao plurilinguismo”. Isso significa a negação, de forma autoritária, das diversidades culturais, característica elementar de um projeto social excludente, como o projeto de sociedade capitalista desenvolvido no Brasil. Ao estado cabe o papel de submeter os cidadãos “ás regras do jogo”, ditadas pela burguesia, que como classe, detém o monopólio do “falar e do escrever erudito”, estabelecendo formas de poder através da linguagem, quase sempre inacessíveis ao proletariado. Trata-se de entender, como a infra-estrutura determina a língua e, como a língua reflete e retrata a realidade e suas transformações. Prossegue Bakhtine: “As relações de produção e a estrutura sócio-política que delas diretamente deriva, determinam todos os contatos verbais possíveis entre os indivíduos, todas as formas e os meios de comunicação verbal, no trabalho, na vida, na política, na criação ideológica”.

Esse preconceito lingüístico ocorre, de maneira ainda mais forte e evidente, com indivíduos de camadas inferiores da sociedade que, de maneira isolada, ascendem socialmente. Sejam eles, escritores, políticos, jogadores de futebol, que, a partir do momento em que assumem uma posição de destaque social, passam a sofrer o preconceito de maneira “pedagógica”, para que as pessoas que falam e se expressam como ele, vejam e sintam-se envergonhadas de sua cultura e de suas origens. Trata-se de um preconceito nitidamente de classe. Em uma sociedade profundamente hierarquizada, tem como conseqüência uma hierarquização de seus valores culturais, como: “o que é certo e o que é errado”, ou “o que é bom e o que é ruim”. A língua talvez seja um dos elementos mais importantes nesse aspecto, pois trata-se de como os homens se comunicam, como refletem e expressam em palavras as suas relações sociais, marcadas por contradições e conflitos. Por isso a necessi
dade de acabar com a cultura do erro!

Prova concreta de que, a língua é palco privilegiado da luta de classes, é a maneira como os países imperialistas tentam, a todo custo, impor suas línguas aos países dominados, pois, parte do domínio econômico é fruto também da dominação cultural. Basta ver a invasão de palavras estrangeiras, ou melhor, inglesas no Brasil, como conseqüência principalmente devido á globalização de mercado, e a “norte americanização” do mundo, pois praticamente não se vê ninguém falando palavras turcas, árabes ou sul-africanas em território brasileiro.

Diferentemente do que pensavam alguns intelectuais da década de 30’, o pluralismo lingüístico não significa um empecilho á formação de uma unidade nacional. Pelo contrário, é através dessa diversidade cultural e de seu reconhecimento enquanto caráter de classe, que se constituem um dos principais elementos de transformação social. Conforme Maestri: “O reconhecimento do caráter de classe das línguas nacionais é imprescindível á proposta e a construção de práticas, políticas e legislação lingüísticas que expressem, nesse domínio, a luta dos trabalhadores pela hegemonia nacional, na perspectiva de superação das próprias fronteiras nacionais, imprescindível a emancipação dos trabalhadores, na atual etapa da história da humanidade”.

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